“A idade física dele não é a mesma idade intelectual que ele tem”
- Esse foi o parecer que Weruska escutou ao levar seu filho Mateo, então com 10 anos, a um renomado psicólogo da linha comportamental, na cidade onde vivem, Genebra, na Suíça. Era a primeira resposta clara que eles obtinham, depois de ter passar por duas outras psicólogas, a pedido da escola, e não ter uma definição de qual era o “problema” do menino. Ele tirava ótimas notas e aprendia sem nenhuma dificuldade, mas era rotulado como hiperativo e muito demandante.
- Mesmo tendo etapas marcantes na evolução das crianças, o que facilitaria a identificação das altas habilidades, as características da superdotação nem sempre são percebidas na infância. É preciso o olhar de um profissional que conheça de verdade essa condição. No caso de Mateo, o psicólogo comportamental que o reconheceu é, ele mesmo, uma pessoa superdotada e tem profundo conhecimento no tema, entre vários outros.
“Acho que ficamos certo tempo numa zona cinza porque o Mateo não tinha uma dessincronia com os outros, uma coisa marcante. Ficamos dentro daquela perspectiva de que toda criança é hiperativa, é estimulada e vai questionar. E a coisa foi se construindo pouco a pouco. Mas é impressionante como dão um rótulo de cara pra todas as crianças que saem do molde, daquilo que é esperado pelo ‘protocolo escolar’, digamos assim. Ela já é tachada de algo: é turbulenta, é hiperativa, ela tem um problema.
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Lógico que passamos por uma dura fase de incompreensão [antes da identificação]. Os pais também querem que as crianças se encaixem. Minha primeira abordagem foi castradora. O Mateo foi punido. Por causa do que acontecia na escola, eu tirava dele aquilo que ele mais gostava. Só deu errado. Porque não era por aí. Eu pedi perdão depois pro Mateo.
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A pressão veio com as questões que as professoras ficavam remarcando. Porque eu queria atender a solicitação delas, por entender que era o que de melhor elas solicitavam para ele. E eu criava conflito dentro de casa. Essa informação externa era o que tirava a harmonia que eu sempre tento preservar em casa. E o Mateo me sinalizou pra que eu percebesse isso. Na nossa vida social, na nossa rotininha de parques e atividades com amigos depois da escola, nunca tivemos problema.
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No dia do boletim, ele já vinha com uma certa apreensão. Eu tinha sangue quente. Quantas vezes eu não falei gritando e pegando o chinelo: ‘Eu tô louca pra abrir seu boletim, se tiver alguma coisa escrita, tu espera que a surra vai ser boa’. Eu sou muito emocional. E ele dizia assim: ‘Baixa seu tom de voz, eu vou entender, mas não é com um volume maior que eu vou entender melhor. Nós podemos conversar normalmente’. Ele me desestabilizava com essas coisas.
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Esse psicólogo comportamental [indicado pela pediatra] é um profissional muito solicitado. E, quando liguei para pedir uma consulta, ele me falou de uma espera de mais de três meses. Daí eu insisti: ‘Não, por favor. Porque eu acho que, na verdade, o problema não é nem do meu filho. Eu tenho a impressão de que sou eu o problema. Porque eu não estou conseguindo chegar na essência da questão. Começa a fazer a consulta comigo’. Ele achou engraçado. Daí ele respondeu: ‘Faz o seguinte, então. A gente se vê amanhã’. Achei ótimo, fiquei feliz, mas, na primeira oportunidade que tive com ele, comentei que não tinha entendido porque inicialmente ele só tinha uma vaga dentro de quase quatro meses, mas conseguiu me receber no dia seguinte. Ele me disse: ‘Porque são raros os pais que dizem que o problema é com eles. Eu sempre escuto que o problema é dos filhos, então eu queria saber o que é que você defendia como problema’.
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Na primeira sessão fui contando a nossa história, o que a gente achava de compreensivo e incompreensível, os diagnósticos precoces, as reclamações das professoras na porta da escola. O comportamentalista foi fazendo perguntas, e foi falando de vários assuntos, como se não tivessem conexão, não tinha um fio condutor para mudar de assunto. Conversou a sós com o Mateo, depois me pediu pra ler pro Mateo, pediu para ele ler pra mim… Ele ficava só observando. Na hora, eu não queria acreditar que eu ia pagar uma consulta caríssima daquelas pra ficar lendo historinha. (risos) Mas aí tinha ciência, né? Na segunda sessão, eu perguntei o que ele achava. Ele disse: ‘Seu filho é perfeitamente normal, não tem nenhuma hiperatividade, não tem espectro autista, mas eu preciso de mais duas sessões para dar meu diagnóstico’.”
- Para a criança com altas habilidades, os adultos à sua volta serão essenciais. A superdotação não é uma doença, por isso não se fala em diagnóstico (mas, sim, identificação ou reconhecimento da condição), não envolve um tratamento, muito menos medicação. Mas exige cuidados especiais e estratégias personalizadas dos pais, cuidadores e professores.
- O mais importante será apoiar a criança com altas habilidades a satisfazer sua necessidade de se manter aprendendo o tempo todo e ajudá-la no descompasso que ela sentir em relação aos padrões sociais. Após a identificação, os pais também precisam tomar cuidado para não exigir demais dos filhos e nem querer exibi-los como um prêmio.
“Sobre a maneira de tratar o Mateo, esse médico me disse que eu podia ir longe nas conversas com ele, porque ele podia compreender. ‘Quando você não faz isso, é como se estivesse desabonando o nível intelectual dele, e para ele isso pode ser constrangedor. Ele tem maturidade pra entender. A idade física do Mateo não é a mesma idade intelectual que ele tem’. Foi um ponto superpositivo, porque eu media palavras e, daí em diante, eu abri mais meu diálogo. Certos papos que eu teria com um adulto, eu tinha com o Mateo. E isso foi trazendo um alívio em muitas coisas. Às vezes eu achava que ele não me entendia, mas, na verdade, ele já estava longe, com o pensamento lá na frente.
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O médico também me alertou que apesar de o Mateo ter uma intelectualidade maior, ele precisava ficar livre para fazer uma meninice que correspondesse a de uma criança da idade dele, 10 anos. Isso eu respeitei bem. Tinha hora que ficavam uns desníveis mesmo: às vezes ele tinha um comportamento de meninão e logo ele entrava em assuntos super ‘cabeça’.
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“Eu não conseguia bons resultados com o Mateo porque eu pedia obediência, e esse não era o problema. Ele sempre foi obediente, ele nunca foi de transgredir as regras. Ele apenas estava em busca de encontrar um espaço em que se sentisse confortável na escola, porque ele também se sentia profundamente incomodado. Ele argumentava que a imagem que as professoras tinham dele era inadequada.
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[A respeito da escola] o comportamentalista deu duas opções, mas eu encontrei outra. Uma era pular de classe, mas eu não queria queimar etapas na evolução emocional e social do Mateo. Outra era uma escola especializada, mas fugia da nossa esfera financeira. Daí me surgiu uma ideia boa. Eu propus a ele que a gente pagasse uma capacitação com ele pra nova professora do Mateo, porque ele faz esse tipo de trabalho nas escolas. Ele achou perfeito e fechamos um pacote de ‘sessões’. Eu falei com a professora e ela foi super-receptiva. E funcionou super bem. Foram dois anos [5o e 6o anos] de um trabalho fantástico, onde ele se sentiu realmente integrado, fazendo parte, sem ter o olhar de reprovação da professora. Foi como se ele tivesse reconquistado sua dignidade.
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Esse médico trouxe soluções relativamente simples. Foi muito mais fácil ser mãe depois dele!
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Eu ‘só’ queria que o Mateo fosse uma criança equilibrada. Digo ‘só’, mas é um desafio enorme. É muito audacioso ter um equilíbrio num mundo doido como o que existe lá fora. Hoje ele tem uma boa sociabilidade, é uma pessoa feliz, alegre e contente. Ele aprendeu a não deixar ninguém colocar nenhum rótulo nele. E consegue combater isso de uma forma muito social, diplomática, sem ferir ninguém. Até agora está indo bem. No momento em que ele entrar no mundo comercial e muito competitivo, vai enfrentar batalhas mais sangrentas.”