Todo apoio é bem-vindo
- Talvez pelo termo “super”, que compõe a palavra, talvez pelo desconhecimento do que realmente se trata a condição, tende-se a pensar que uma pessoa superdotada não precisa da ajuda de ninguém. A nomenclatura “altas habilidades” procura amenizar essa questão. Fato é que, como todo ser humano, essas pessoas precisam de tanto apoio quanto qualquer outro. Na rede de ensino, a superdotação faz parte da Educação Especial, já que demanda um atendimento diferenciado. A assistente social Gisele sente isso na própria pele e nos casos que já acompanhou ao longo da sua carreira.
“É uma coisa que sempre me chamou muita atenção. Eu trabalhei seis anos com acolhimento institucional — o famoso abrigo — para crianças que foram abandonadas. Fazíamos muita visita domiciliar. Eu via claramente como a falta de apoio familiar compromete o desenvolvimento de uma criança que poderia ter um futuro brilhante. Isso vai interrompendo ciclos na vida da criança, seja por falta de estímulo, por falta de acreditar, por falta de apoio…
[…]
Eu trabalhei também muito tempo com adolescentes em medidas socioeducativas. Na conversa com eles eu via muitos potenciais que estavam sendo desperdiçados. Você sente que muitos ficaram perdidos aí pelo caminho.
[…]
Não que eu seja especialista em identificação, mas você percebe no diálogo com aquela criança o quanto ela se destaca. E dava pra perceber que se tivesse uma família ali por trás, um apoio, essa criança poderia estar desenvolvendo as suas potencialidades, mas ela não teve isso.
[…]
Então não é só um trabalho ali da escola com a criança. É a escola, a família e a sociedade em geral entender isso.”
- Gisele foi identificada ainda criança e tem plena consciência da sua sorte de uma família que apoia e pais que sempre a incentivaram. Além da sua sorte de ter nascido e estudado em Lavras (MG). A cidade, há mais de 30 anos, conta com um trabalho consistente e reconhecido internacionalmente na área de superdotação, idealizado por Zenita Guenther e implementado por meio dos Centros para Desenvolvimento do Potencial e Talento, ou simplesmente CEDET.
“Meu pai tem até o 4o ano do Ensino Fundamental incompleto. Minha mãe também tem Ensino Fundamental incompleto, ela estudou até a 8o série. Ela é costureira e ele sempre trabalhou como balconista. Então, em casa, sempre tivemos o básico do básico mesmo. Mas meus pais sempre estimularam a questão dos estudos. Como minha mãe não teve essa oportunidade, ela priorizou isso na nossa vida. Mesmo contrariando meus avós, que falavam que os filhos tinham que trabalhar.
[…]
[Ter o CEDET na cidade] muda a mentalidade da sociedade. As pessoas passam a entender melhor do que se trata [a superdotação]. Vira até um adjetivo, em Lavras, em vez de se falar que alguém é inteligente, se fala ‘é criança do CEDET’.
[…]
Mesmo assim, quando eu era menor, eu ouvia muito de colegas da escola: ‘minha mãe falou que não é pra mexer com isso, que ela não vai me levar no CEDET, que isso é bobeira, perda de tempo’.
[…]
Ali com meus 12, 13 anos, que é aquela fase de transição pra adolescência, os coleguinhas de escola faziam piadinhas, porque eu era chamada pela facilitadora do CEDET na sala. ‘Lá vai a CDF, lá vai a crânio da sala’. Eles ficavam incomodados com a situação. E eu, por ser muito tímida, ficava incomodada também. Eu cheguei até a falar pra minha mãe que eu não ia continuar no Centro, porque o pessoal estava me zoando na escola… Mas ela argumentou: ‘Não! Você tem que ter orgulho de estar participando disso!’. Ela sempre estimulou.
[…]
E hoje eu quero ser uma referência positiva pras outras pessoas. Eu quero mostrar que tem um outro caminho a ser trilhado, que se você investir naquilo que gosta, pode usar suas potencialidades para o bem e se sentir realizado. E isso não tem nada a ver com ‘ser um Einstein na vida’, não estamos falando de gênios.
[…]
A doutora [Zenita Guenther] sempre falou: ‘A gente precisa canalizar essas dotações, essas inteligências, pro lado do bem, pra essas pessoas poderem contribuir com o futuro, porque as que não conseguem passar por esse processo acabam sendo penalizadas e terminam usando a inteligência pro mal.