Susana Pérez Barrera (1956-presente): olhar pioneiro para a superdotação nos adultos, em especial, nas mulheres
- Susana Graciela Pérez Barrera nasceu em 1956 no Uruguai, mas foi no Brasil, onde viveu por cerca de 40 anos, que despontou como uma das pioneiras nos estudos sobre superdotação. Dentro do tema, dedicou-se com mais afinco às pessoas adultas e às mulheres, dois subgrupos bastante desprovidos de estudos e pesquisas, já que a grande maioria do material acadêmico existente no Brasil trata sobre o público infantojuvenil, com particular enfoque na área de Educação.
- Seu interesse pelas altas habilidades nasceu em 1996, quando sua filha mais velha foi identificada, mais tarde seu outro filho também seria. Como mãe, diante da falta de conhecimento sobre a superdotação, começou a se inteirar sobre o fenômeno e transformou o assunto na sua carreira.

- Formada em Artes Plásticas (1992), com bacharelado em pintura, acabou se especializando em Educação, em 2002, com o trabalho “Altas Habilidades/Superdotação: uma realidade a ser revelada”, pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS). Daí em diante não parou mais de se aprofundar no tema. Em 2004, defendeu seu mestrado: “Gasparzinho vai à escola: um estudo das características do aluno com altas habilidades produtivo-criativo”, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
- Sua atuação e iniciativas em órgãos de referência ajudaram a consolidar a área de superdotação no Brasil. Foi secretária e presidente da Associação Brasileira para Superdotados, filial Rio Grande do Sul, de 1996 a 2003. Na sequência, foi presidente e membro do Conselho Técnico da Associação Gaúcha de Apoio às Altas Habilidades/Superdotação, de 2003-2016.
- Paralelamente ao seu trabalho na Associação Gaúcha, Susana Pérez foi sócia-fundadora do Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD), em 2003, e assumiu sua presidência por três mandatos seguidos, de 2006/2007, 2008/2009 e 2010/2011, e depois na gestão 2014/2015, além de se manter na Comissão Técnica do órgão por mais tempo.
- Quando surgiram os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS), em 2005, vislumbrou-os como oportunidades para disseminar conhecimento sobre superdotação pelo país. “Nessa época, eu viajei muito pelo Brasil todo, fiz ações em todos os estados brasileiros, de no mínimo 40 horas, para as pessoas conseguirem entender pelo menos do que se trata a superdotação”, comentou Susana Pérez em entrevista para o livro “Deu Zebra! Descobrindo a superdotação”, em 2021.
- Os NAAHS foram abertos nas capitais de todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, pelo Ministério da Educação, para fortalecer três pilares: os alunos com altas habilidades, suas famílias e os professores. “Sempre busquei o MEC para dar treinamentos nos NAAHS e também pedia que o Ministério pagasse a passagem de pelo menos um integrante de cada Núcleo para irem aos encontros anuais do ConBraSD, para manter os profissionais atualizados. Isso foi feito durante algum tempo, mas cada vez foi menos. E ultimamente praticamente não se faz mais. É uma área que sofre muito com a carência de formação e com a falta de recursos”, ressalta.

- Mesmo mantendo forte atuação no ConBraSD, Susana Pérez seguiu expandindo seus estudos. Voltou seu olhar atento para as pessoas que se descobrem superdotadas na fase adulta da vida e desenvolveu seu doutorado, entre 2005 e 2008, com a tese: “Ser ou não ser, eis a questão: O processo de construção da identidade na pessoa com altas habilidades/superdotação adulta”, pela PUC-RS.
- “Os adultos dizem que a vida deles muda após serem identificados. Muda a partir de dentro, reduz a possibilidade de se perderem e amplia o poder de terem o sucesso desejado para si. Muitos deles, uma vez que se identificam, deslancham. Porque é um longo processo de deixar de lado toda uma roupagem que não era deles, e se entenderem como pessoas com altas habilidades, como pessoas que podem errar, como pessoas que não precisam ser brilhantes em tudo, e principalmente como pessoas que têm pares pra conversar, porque isso é fundamental”, resumiu.
- Esse trabalho fez Susana Pérez perceber diferenças entre homens e mulheres superdotadas: os estudos evidenciaram que a mulher geralmente demora muito mais a se reconhecer como pessoa com altas habilidades e a entender suas diferenças como parte da sua identidade. “O adulto com AH/SD precisa escolher entre ser mais um na multidão e tornar-se a lembrança permanente das limitações dos outros. E a mulher tende a escolher mascarar sua identidade para não ser censurada. Ela se sente deslocada, mas procura se adaptar à sociedade e atender às expectativas que os outros têm dela. Isso porque ela tem as habilidades sociais mais desenvolvidas que os homens, porque é educada para criar filhos, para compreender e ajudar os outros”, analisou.
- A identificação dessas diferenças se desdobrou em artigos especificamente sobre a mulher adulta com altas habilidades, como “A mulher com altas habilidades/superdotação: à procura de uma identidade”, “Do pecado de ser mulher ao medo de ser mulher com Altas Habilidades/Superdotação” e no capítulo de livro “A mulher com Altas
Habilidades/Superdotação: cinco etapas para se chegar ao sol”.
- Susana Pérez destaca que falta para as mulheres adultas modelos femininos de sucesso, especialmente em áreas dominadas por homens. “Quando elas não contam com modelos, comportamentos, atitudes, valores e/ou expectativas de referência, a constituição da identidade não pode ser concluída e, em certas ocasiões, tem que ser ‘negociada’”, afirmou.

- Ao longo de seus estudos no Brasil, a uruguaia foi orientadora de mestrado e doutorado sobre o fenômeno da superdotação e sobre a mulher superdotada. Além disso, desenvolveu ainda uma variedade de questionários e listas para identificação direcionados para diferentes faixas etárias e públicos que acabaram se tornando instrumentos de identificação aplicados em atendimento no Brasil e no exterior. Há instrumentos voltados para crianças, adolescentes e adultos, com indicadores de altas habilidades, assim como material para ser respondido por pais ou responsáveis, cônjuges, amigos, colegas de sala ou de trabalho e também professores.
- Ao voltar a morar no Uruguai, em 2016, Susana Pérez se empenhou em desenvolver a área acadêmica sobre superdotação no seu país de origem. “Consegui recursos de financiamento da Agência Nacional de Inovação e Pesquisas daqui para abrir uma especialização na área. Montei esse curso com docentes estrangeiros”, relatou. As primeiras 16 especialistas do Uruguai se formaram em 2021 – duas delas psicopedagogas e as demais, professoras de Ensino Fundamental e Médio.
- “Teve 450 horas, quero dizer, é mais do que um mestrado. Com dois anos de curso intenso e prática supervisionada, ou seja, elas saem com muita experiência”, destacou. Depois dessa experiência, Susana Pérez foi responsável pela elaboração do curso de Doutorado em Educação e do primeiro Mestrado em Educação para Altas Habilidades/Superdotação da América Latina pela Faculdade de Ciências da Educação da Universidad de la Empresa (UDE), do Uruguai.
- Em 2018, implementou um grupo de pessoas adultas com altas habilidades, passou a encabeçar o Grupo de Investigación en Altas Habilidades/Superdotación (GIAHSD), um grupo de extensão universitária que faz estudos, pesquisas, identificação, oficinas para famílias e ainda se tornou a Coordenadora do Phoenix International Research Group, reunindo 50 pesquisadores de 25 países, em 3 continentes, incluindo o Brasil. O estudo desenvolvido por esse grupo já conta com 1.044 participantes de 49 países que responderam a um questionário de 40 perguntas.
- Esteve uma temporada de três meses, em 2019, ao lado de um dos maiores estudiosos do mundo na área, Joseph Renzulli, na Universidade de Connecticut, como pesquisadora visitante bolsista Fulbright, com um projeto sobre jovens infratores com AH/SD. Mas os estudos acabaram sendo suspensos pela pandemia.
- Em 2021 desenvolveu uma pesquisa na qual foram entrevistadas 103 pessoas identificadas ou em processo de identificação da superdotação, em oito países da América do Sul, com idades entre 18 e 71 anos. O material colhido promete render muitos novos trabalhos acadêmicos sobre a população AH/SD adulta da região. Susana Pérez segue mantendo um especial interesse pelas especificidades femininas, como deixou claro em live realizada com Michele Cousseau, em 24 de abril de 2023: “Do total, 63 são mulheres, 11% delas foram identificadas na infância; outros 11%, entre 15 e 18 anos, e 78%, na fase adulta. Outro dado que chama a atenção é que apenas 20% delas foram identificadas há mais de 20 anos.”
- Sobre o depoimento dos participantes, Susana Pérez ainda destacou questões das barreiras sociais na questão de gênero. “Temos visto que as mulheres vão buscar a identificação depois de criar os filhos. Mas a dificuldade de se aceitar é muito grande”, adiantou. Atualmente, declara trabalhar em pelo menos dois estudos específicos sobre a matéria: “Mulheres com altas habilidades ou superdotação: a não-identificação ou identificação tardia” e “Mulheres docentes com superdotação: marcadores interseccionais em suas trajetórias de vida”, iniciados em 2024.
- Nesse mesmo ano, organizou o livro “Altas Habilidades/Superdotación: uma nueva mirada” com a participação de 30 autores de Argentina, Arábia Saudita, Brasil, Estados Unidos e Uruguai, prefaciado pelo Prof. Joseph Renzulli e editado pela UDE.
- Seguramente, a uruguaia seguirá lançando ainda mais luz sobre o fenômeno da superdotação com seu brilhantismo e sua forma envolvente de escrever, que faz de seus textos materiais acessíveis e prazerosos de ler, permitindo que a informação chegue ao público não acadêmico – outro grande desafio nessa área.