Zenita Guenther (1937-presente): a brasileira que assentou as bases do estudo e da educação “dos mais capazes” no Brasil
- A brasileira Zenita Cunha Guenther (nascida em 1937) foi pupila de Helena Antipoff no colégio interno criado pela russa na Fazenda do Rosário, em Ibirité (MG), hoje região metropolitana de Belo Horizonte. Formada nos moldes inovadores da mestra, é uma das maiores autoridades em superdotação no Brasil, conhecida internacionalmente. Zenita Guenther fundou o Centro para o Desenvolvimento do Potencial e Talento (CEDET), referência nacional no apoio e desenvolvimento de talentos de estudantes, e desenvolveu uma metodologia para identificação de crianças “mais capazes” — como sempre preferiu denominar — aplicada há 30 anos em sala de aula.
- Chegou à Fazenda do Rosário ainda criança, aos 11 anos, em 1949, já se mostrando uma menina acima da média. Começou a dar aulas aos 12 anos na própria Fazenda, onde permaneceu por três anos. Com 21, já foi nomeada diretora de escola na cidade de Lavras. Mas Helena Antipoff queria a promissora pupila por perto e, em 1961, convidou Zenita Guenther para ser sua assistente. Zenita então retornou para o espaço criado pela mestra, mas não ficaria muito tempo por lá. No ano seguinte embarcou para voos mais ousados.

- Recebeu uma bolsa de estudos para estudar Psicologia da Criança e Educação Pré-Escolar por 14 meses na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, pelo programa Aliança para o Progresso, criado pelo presidente norte-americano John F. Kennedy. “Fui e vivi muitas aventuras. Foi realmente um pouco surpresa. Gente pobre não ia aos Estados Unidos naquela época, e eu não sabia inglês. Aí me matriculei num curso noturno e, depois de quatro meses, estava lá, sem saber falar a língua, mas apta para enfrentar os Estados Unidos. E foi um tempo muito bom”, contou D. Zenita Guenther, aos 84 anos de idade, em entrevista para o livro Deu Zebra! Descobrindo a superdotação, em 2021.
Lá Zenita conheceu Richard Guenther, aluno de doutorado em pintura a óleo. “A gente se conheceu numa dança, é claro! Eu gostava de dançar!”, lembra. Namoraram até que ele tirou o diploma e ela encerrou sua bolsa. “Daí conquistei ele pra vir para o Brasil. Eu não podia ficar lá, o Kennedy era mesmo firme com os contratos dele. Só depois de dois anos eu podia pleitear voltar, tinha uns alunos que ficavam ilegalmente, mas eu nunca gostei desse negócio de fazer as coisas ilegais, dá muita mão de obra!”
Já casados e morando no Brasil, tiveram uma filha, Louise. “Mas meu marido não se adaptou no Brasil, não aprendeu nem a falar português. Ficava incomodado com os mosquitos. Então ficamos uns 15 anos no ‘mora lá, mora cá’. Até que Richard faleceu por conta de uma diabetes forte”, resume.

- Em cada temporada nos Estados Unidos, Zenita Guenther se dedicava à sua formação. Graduou-se em Psicologia pela Universidade do Sul da Flórida (1969) e, na mesma instituição, especializou-se em Educação de Superdotados (1970) e fez mestrado em Orientação Educacional (1972). Em outra ocasião, com uma bolsa, fez doutorado em Psicologia da Educação, na Universidade da Flórida (1977).
- No Brasil, Zenita Guenther se tornou docente da Universidade Federal de Minas Gerais, atuou na fundação da APAE de Lavras para atender as pessoas com síndrome de Down e, já viúva, passou a se dedicar totalmente à pesquisa sobre dotação e talento nas classes sociais mais desfavorecidas. Seguidora da linha do canadense Françoys Gagné, para Zenita Guenther, os termos dotação e talento são os mais adequados para tratar do fenômeno da superdotação. E, sendo o talento a expressão dos dotes recebidos pelos genes, precisa de incentivo e estímulo para ser desenvolvido.
- No final da década de 1970, foi convidada para coordenar a Escola Especial para Bem-Dotados da Fundação José Carvalho (em Salvador/BA), onde permaneceu por cinco anos. Nessa época, envolveu-se com o grupo internacional da categoria e foi eleita para representar os países em desenvolvimento no Conselho Mundial para Crianças Dotadas e Talentosas (WGTC).
- Entre congressos, palestras, conferências e trabalhos internacionais, passou a ser conhecida e respeitada por seus pares em todo o mundo. A partir de então, tornou-se consultora e conselheira de diversas entidades especializadas no tema. Em 1995, concluiu seu pós-doutorado em Educação pela Purdue University (EUA), é autora de 23 livros e colaborou com diversos capítulos em muitas outras obras. Além disso, publicou mais de cem artigos no Brasil e no exterior.

- Logo depois de voltar a morar no Brasil, Zenita Guenther idealizou e fundou em 1993, aos 56 anos, uma iniciativa inovadora na área da educação de crianças mais capazes: o Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento (CEDET), na cidade de Lavras (MG). Juntamente com o CEDET, nasceu a Associação de Pais e Amigos para Apoio ao Talento (ASPAT), que reúne pessoas interessadas em colaborar com os trabalhos do CEDET — ambas entidades sem fins lucrativos.
- “Escrevi muito, mas não fiquei só na falada. Meu pensamento aqui no CEDET foi fazer uma luta na prática. Juntamos com o Rotary Club de Lavras Sul e com o Clube de Lavras, e fomos procurar nas escolas as crianças que se sobressaíam. Na ocasião, fomos em escolas públicas e particulares. Durante 20 dias de trabalho ficamos de olho aberto para a faixa dos 10 anos de idade. Eu não conversei com os adultos das escolas, nem professores, nem diretores, nada. Nós conseguimos levantar 300 nomes, era o máximo que a gente podia lidar”, relata Zenita, sobre o início das atividades do CEDET em Lavras.
“Você se sobressai porque você é capaz de fazer uma coisa que os outros admiram. Então em vez de pegar a capacidade e sair procurando a criança, nós achamos a criança e procuramos a capacidade que ela tem.”
- Zenita Guenther destaca duas diferenças essenciais do trabalho do CEDET com as “atividades de enriquecimento” geralmente oferecidas aos superdotados pelo país afora: o planejamento começa em cada criança e o Centro oferece a elas experiências de vida no contraturno da escola. “Primeiro colocamos a criança para pensar: o que você quer aprender? Então, junto com ela, fazemos seu plano individual para o semestre, que nas três primeiras semanas pode ser modificado. Depois não mexe mais no plano até o fim do semestre, quando elas avaliam o que fizeram, o que não fizeram, porque as crianças mudam, os interesses mudam”, explica. O que acontece com mais frequência é que o planejamento é feito para a criança pelos adultos. “Você não pode fazer plano pra ninguém! Você no máximo, se Deus te ajudar, pode fazer plano para a sua própria vida e pronto”, complementa.

- Ela gosta de enfatizar ainda que a proposta da sua metodologia não é oferecer nada de conteúdo, mas sim vivência. “Nosso conteúdo é a vida. Não tem currículo, não tem obrigatoriedade, não tem prova, não tem conteúdo. Se você perguntar a qualquer pessoa que passou por esse programa o que ela lembra, eu posso prever que elas vão lembrar de excursões que fizeram, fábricas que visitaram, teatros a que assistiram, pessoas com quem conversaram, entrevistas que fizeram. As crianças lembram coisas concretas, não lembram teoria.”
- A metodologia CEDET foi estruturada também para capacitar professores e gestores da rede de ensino pública e privada a fazer a identificação em sala de aula, oferecendo a eles instrumentos de apoio, como o “Guia de Observação Direta em Sala de Aula” e o “Manual de Identificação de Alunos Dotados e Talentosos” — ambos desenvolvidos pela Zenita Guenther (suas últimas atualizações são de 2012 e 2014).
- O guia conta com questionário composto de 31 indicadores de capacidade observáveis, como expressões de inteligência, criatividade, capacidade socioafetiva, física e perceptual. Com base nesses indicadores, os professores de cada turma apontam os nomes de dois alunos que mais se destacam em cada item. A partir disso, o cruzamento de dados é feito, conforme orientação do “Manual de Identificação de Alunos Dotados e Talentosos”.
- Toda a sistematização registrada nos livros foi a maneira que Zenita Guenther encontrou para garantir a continuidade dessa proposta. Com o tempo, o CEDET foi se expandindo para outras cidades, principalmente por meio de parcerias com prefeituras. “Nossa metodologia está documentada e publicada. A gente manda estudar essa base primeiro, depois cada Centro pode aperfeiçoar”, pontua. Com quase 90 anos de idade, ela não passa uma semana sem dar entrevista ou ser consultada sobre sua área de expertise por entidades nacionais e internacionais.
- Atualmente, o CEDET existe em Poços de Caldas/MG (2010, onde foi renomeado Despertar), Assis/SP e São José do Rio Preto/SP (ambos criados em 2011) e São José dos Campos/SP (2018, onde foi renomeado Decolar). São mais de 30 anos de história, impactando a vida de milhares de crianças mais capazes, de suas famílias e colaborando para a conscientização do brasileiro sobre a superdotação.
