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Validação interna

  • Aline Maluhy, 41 anos, acaba de ser identificada com superdotação e o livro “Deu Zebra! Descobrindo a superdotação” foi protagonista na história dela. A fisioterapeuta brasileira, atualmente residente nos Estados Unidos, aceitou nosso convite para contar qual foi o papel da obra nessa descoberta pessoal que já representa para ela leveza e muita “validação interna”. 
Imagem de Matias North, na Unsplash.
Imagem de Matias North, na Unsplash.
 

Como você foi apresentada ao livro “Deu Zebra! Descobrindo a superdotação” @deuzebrasuperdotacao?

Eu sou fisioterapeuta e personal trainer em Washington, D.C. (EUA), e tem quase dois anos que atendo a Thais Mesquita (coautora). Logo de cara ela contou que tinha superdotação, para eu entender como abordar os exercícios que a gente ia trabalhar. Desde os primeiros atendimentos, eu me identifiquei muito com a Thais. Ao ponto de comentar em casa com meu esposo que parecia que eu estava atendendo meu “eu do futuro”, se isso faz algum sentido. Eu a entendia não só pela experiência profissional, mas pessoal. Depois de um tempo ela me deu o livro “Deu Zebra” e falou: “Aline, eu não sou da área de saúde, não faço identificação, mas eu acho que você tem todas as características de superdotada. Lê. Vê se faz sentido pra você”. No começo, achei que era mais um livro trazendo conceitos gerais. Quando comecei a ler as vivências e os relatos das pessoas, eu comecei a perceber que eu também era daquele jeito. Vi coisas que eu mesma me falava muitas vezes.

 

O que mais te chamou a atenção no livro?

O que mais me pegou foi a parte comportamental, porque eu nunca me achei inteligente demais. E eu nunca sequer imaginei que eu pudesse ter altas habilidades. Eu tinha a visão arcaica de superdotação, de que eram gênios. Eu sempre me achei um pouco diferente, intensa demais. E não me identifico muito com os outros. Também sempre fui muito madura desde pequenininha, mas nunca achei que era uma habilidade minha. Achava que tinha aprendido a ser assim pela quantidade de desafios que aconteceram na minha vida. Quando comecei a ler o livro, percebi que não era só questão de sobrevivência. Realmente, acho que nem todo mundo que passa por coisas ruins na vida, como eu passei, se aprofunda da forma como eu me aprofundei. 

 

Somente lendo o livro você já decidiu ir em busca da identificação?

Falei com minha terapeuta que estava querendo investigar essa questão da superdotação. Como tenho um histórico de saúde longo, a reflexão que ela trouxe foi: “Aline, mais um diagnóstico?”. Mas isso me doeu. Será que, de novo, eu estava procurando sarna para me coçar? Aí dividi isso com a Thais: “Que diferença faz eu saber isso agora? Já me formei, não vou mudar de profissão, estou feliz com o que eu faço. Tenho um emprego estável, família. Será que é mais um diagnóstico pra minha vida?” Mas, ela me alertou: “Não abre mão disso, não. Você vai se entender de um jeito totalmente diferente. Você vai ver como isso vai te fazer bem, como outras coisas vão fazer sentido pra você”.

 

Era muito comum escutar da sua terapeuta que você estava buscando problema onde ela não via?

Quando eu vejo que tem alguma coisa errada, eu vou atrás. Mas a maioria dos profissionais de saúde, digo, meus médicos e até terapeutas, sempre falavam para mim: “Aline, você está procurando mais alguma coisa?” Quando eu descobri minha endometriose, foi assim. Eu estava com muita dor menstrual e suspeitei de endometriose. Diziam que podia ser psicológico, porque eu tinha passado por muita coisa, estava com estresse pós-traumático depois de um câncer. Isso me fazia duvidar de mim mesma. Eu pensava: “Mas será que eu estou maluca? Será que eu estou perdendo a razão desse jeito?” Aí, no quarto médico que consultei, eu pedi para fazer o exame para o meu “psicológico” entender que não tinha nada e a dor sumir. Mas o exame mostrou uma endometriose profunda, com indicação de cirurgia. Me deu vontade de mostrar para eles: “Olha, minha dor era real! Me escutem, por favor!” A dor psicológica, aliás, também é real, né? Primeiro eu tratei de forma natural e melhorei. Mas, com o tempo, ela voltou muito forte, precisando ser feita a cirurgia, que foi bem extensa. E nessa, descobri um segundo câncer.

 

Imagem de Freestocks, na Unsplash.
Imagem de Freestocks, na Unsplash.

Quem você buscou para a identificação?

Encontrei pela internet uma médica brasileira relacionando hipermobilidade e neurodivergências, por causa de uma paciente que eu estava atendendo. Comecei a seguir essa médica no Instagram e me identifiquei muito com o conteúdo dela. Entrei na fila de espera para consulta e, uns seis meses depois, fui atendida por ela, Dra. Thaís Prioli @drathaisprioli. Ela é superdotada também, o que eu acho que fez diferença pra mim na abordagem dela como médica, e tem uma equipe que trabalha com ela em torno da superdotação. Após avaliação dela, ela me disse: “Você é superdotada sim, mas se você quiser, pode fazer os testes neuropsicológicos. É um processo caro e longo. E, hoje em dia, isso não é indispensável para a identificação”. Eu decidi fazer para ter certeza de que não era eu convencendo a médica, precisava de provas. Foram uns 15 testes. Me diverti fazendo. Achei muito legal. No início de julho, eu tive o resultado. E pra mim foi, assim, uma explosão de emoção, que até agora eu me emociono quando falo disso. Em seguida, eu mandei uma mensagem para a Thais [Mesquita], chorando e agradecendo a ela por ter me enxergado.

 

Como te impactou esse resultado?

Antes de fazer os testes, a Dra. Thais me colocou num grupo de WhatsApp de superdotados, pessoas do mundo inteiro, todos brasileiros. Mas eu falava o tempo todo: “Gente, eu estou aqui temporariamente, daqui a pouco vai sair o resultado, eu vou ter que me retirar do grupo. Um prazer encontrar vocês, vocês são maravilhosos”. Porque, realmente, na primeira consulta com a neuropsicóloga, quando ela perguntou no que eu me destacava, eu já achei que não ia me encaixar, porque minha resposta foi: “Em nada. Eu não me destaco em nada, eu sou uma pessoa comum, cheia de problemas e terapeutizada!”. (risos) Durante os testes fui vendo que eu me destaco, sim. As pessoas me procuram para resolver problemas. As pessoas me procuram para escutar conselhos. Isso desde nova. Meus pais pedem conselhos para mim. E aí eu fui me vendo: realmente eu sou boa nisso, eu sou boa naquilo. E eu fiquei espantada com o meu resultado do teste de memória, eu não sabia que eu podia ser boa nisso. Uma semana depois, eu ainda lembrava de quase todas as palavras da primeira lista que ela falou. Como é que pode? 

 

O que mudou para você com a identificação?

Muda muito a interpretação do meu passado. Não era drama, não era exagero. Aquele jeito que eu pensava maluco de ser, aquela explosão emocional que eu tive, teve um porquê, e está tudo bem. É realmente uma forma muito intensa de ser. E o intenso também pode ser bom. Mas eu acho que uma palavra-chave da superdotação é validação. Você se valida. É uma validação interna. É o jeito que eu sou. É como se eu tivesse ido na Aline criança e falado: “Olha, meu bem, esse jeitinho seu de ser é especial”. E o mais louco é você ver que tem gente igual. O que também dá uma sensação de pertencimento muito grande. Então, dá uma liberdade realmente de a gente ser quem a gente é. Se alguém achar ruim, isso já não me afeta tanto: tudo bem se me acharem exagerada, eu sei que eu preciso sentir desse jeito. Eu já vejo que é outra forma de viver a vida e só faz dois meses que fiz o primeiro atendimento com a Dra. Thais e duas semanas que eu recebi o resultado. Estou lendo o livro “Deu Zebra! Descobrindo a superdotação” pela segunda vez, com uma outra ótica agora.

 

Como a sua terapeuta recebeu essa notícia, de você ser superdotada?

No momento que decidi fazer os testes, mesmo sem  apoio de ninguém, eu brinquei com ela: “Eu estou sentindo que você está muito resistente à minha decisão de saber se sou superdotada ou não. Estamos invertendo os papéis, né?!” Ela morreu de rir. Completei: “Você já atendeu alguém superdotado?” Ela respondeu que não. “Você já atendeu alguém autista?” Ela disse que sim. Daí falei: “Você acha que para o autista de suporte nível 1, seria melhor ele não ter o diagnóstico ou que é só mais um diagnóstico?” Aí ela parou, pensou e disse: “Você tem razão.”. E foi atrás de entender sobre a condição. Faz muita diferença quando um profissional da saúde sabe o que é superdotação.

 

 

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