Olhos abertos para os talentos
Este é um trecho de sua palestra no TED Talk de 2006, juntamente com trechos
de seu livro “O Elemento-chave”.*
Gillian só tinha oito anos, e o seu futuro era desanimador. Ela não conseguia se concentrar; ela não parava de se mexer. As atividades escolares da menina eram um desastre, pelo menos de acordo com os seus professores. Atrasava para entregar as tarefas de casa, a sua caligrafia era horrível e ela aprontava muito. Além disso causava grandes problemas aos outros alunos. Ela se movia nervosa fazendo barulho, olhando pela janela… o que obrigava o professor a interromper a aula para que Gillian voltasse a prestar atenção. Ou tinha comportamentos de caçoar de seus colegas. Ela não estava preocupada, mas os seus professores estavam muito preocupados! Ao ponto de um dia decidirem se dirigir aos seus pais. Era década de 1930, e a escola escreveu: “Achamos que Gillian tem um distúrbio de aprendizagem”.
Se fosse hoje em dia, acho que diriam que ela sofria do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas tudo aconteceu na década de 1930 e o TDAH não tinha nem sido “inventado” ainda. As pessoas não sabiam que podiam ter isso. Os pais de Gillian receberam a carta da escola com grande preocupação. A mãe da Gillian a vestiu com o seu melhor vestido e os seus melhores sapatos, fez-lhe duas tranças e, temendo o pior, levou-a a um psicólogo para que a avaliasse.

- Gillian lembra que a conduziram para uma grande sala com prateleiras de madeira cheias de livros encadernados em couro. De pé, junto a uma secretária, encontrava-se um homem imponente que usava um casaco listrado. Ele levou a menina até o outro lado da sala e pediu para que se sentasse num enorme sofá de couro. Os pés de Gillian mal tocavam o chão, estava tensa. Nervosa pela impressão que poderia causar, sentou-se sobre as mãos para parar de movê-las.
- O psicólogo sentou-se na sua cadeira e durante os vinte minutos seguintes perguntou à mãe de Gillian sobre os contratempos na escola e os problemas que diziam que a menina estava causando. Apesar de não ter dirigido nenhuma das perguntas à menina, ele não deixou de observá-la com atenção em todos os momentos. Isso fez com que Gillian se sentisse desconfortável e confusa. Mesmo em tão tenra idade sabia que esse homem desempenharia um papel importante na sua vida. Sabia o que significava ir a uma “Escola Especial” e não queria nem imaginar isso na sua vida. Acreditava sinceramente que não tinha nenhum problema, mas, ao parecer, todo o mundo achava o contrário. E vendo como a sua mãe respondia às perguntas, era possível que até ela acreditasse. “Podem ter razão”, pensou Gillian.
- Finalmente, a mãe de Gillian e o psicólogo deixaram de falar. O homem levantou-se da cadeira, caminhou até o sofá onde ela estava e sentou-se ao lado da pequena. “Gillian, você teve muita paciência e te agradeço por isso, mas receio que tenha que continuar a ter paciência por mais um tempo. Agora preciso falar com a sua mãe em particular. Vamos sair por uns minutos. Não se preocupe, não vamos demorar”. Gillian acenou, inquieta, e os dois adultos deixaram a menina ali sentada, sozinha. Mas antes de sair da sala, o psicólogo ligou o rádio.
- Assim que saíram e chegaram ao corredor, o psicólogo disse à mãe da Gillian: “Fique aqui por um momento e observe o que ela está fazendo”. Ficaram de pé ao lado de uma janela da sala que dava para o corredor, de onde a menina não conseguia vê-los. Quase de imediato, Gillian levantou-se e começou a mover-se por todo o espaço, seguindo o ritmo da música. Os dois adultos a observaram em silêncio por alguns minutos, fascinados pela graça da menina. Qualquer um teria percebido que havia algo natural – mesmo primitivo – nos movimentos da Gillian. E qualquer um teria percebido a expressão de absoluto prazer do seu rosto.
- Por fim, o psicólogo virou-se para a mãe da Gillian e disse: “Sra. Lynne, a Gillian não está doente. Ela é dançarina. Leve-a para uma escola de dança”. A sua mãe fez o que lhe foi recomendado. “É impossível expressar o maravilhoso que foi”, disse Gillian, muito tempo depois. “Entrei naquela sala cheia de pessoas como eu. Pessoas que não podiam ficar sentadas sem se mexerem. Pessoas que tinham que se mover para poder pensar.”
- A partir daí, Gillian passou a ir para a escola de dança uma vez por semana e praticar todos os dias em casa. Com o tempo, ela fez um teste para a Royal Ballet School de Londres e foi aceita. Seguiu em frente até ingressar na companhia The Royal Ballet, onde se tornou solista, e seguiu por todo o mundo. Quando essa etapa da carreira dela terminou, Gillian formou a sua própria companhia de teatro musical e produziu uma série de shows em Londres e em Nova Iorque, que tiveram muito sucesso. Com o tempo, conheceu Andrew Lloyd Webber e criaram juntos algumas das mais célebres produções musicais da Broadway de todos os tempos, entre elas “Cats” e “O Fantasma da Ópera”.
- Gillian, a menina cujo futuro estava em perigo, tornou-se conhecida em todo o mundo como Gillian Lynne, uma das coreógrafas de maior sucesso do nosso tempo, alguém que fez milhões de pessoas desfrutarem da dança. E isso aconteceu porque uma pessoa estava preparada para interpretar os seus “sintomas”, alguém que já tinha visto crianças como ela. Outra pessoa poderia ter receitado um tratamento para que ela se “acalmasse”. Mas Gillian não era uma criança problemática. “Eu não precisava ir a nenhuma escola especial. Só precisava ser quem eu realmente era”, comentou .
* A conversa com Gillian Lynne inspirou Robinson a escrever o livro “O Elemento-chave”, sucesso de vendas, em que ele reuniu diversas entrevistas com pessoas famosas sobre como elas descobriram seus talentos.