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Os diferentes idiomas do amor

  • Se os relacionamentos amorosos já não são simples, tudo se intensifica quando se trata de envolvimento com uma pessoa com altas habilidades, questionadora, exigente e fora dos padrões, ou ainda entre duas pessoas com esse perfil. Para as mulheres com altas habilidades, o desafio se torna ainda maior, porque precisam lidar com expectativas masculinas, e sociais, que permeiam as questões de gênero.
 
  • A história relatada pela brasileira Laura, professora de alemão, para o livro “Deu Zebra! Descobrindo a superdotação”, sobre sua experiência amorosa vivida fora do Brasil, ilustra um aspecto importante desse desafio.
 
Imagem de Vlada Karpovich, na Pexels.
Imagem de Vlada Karpovich, na Pexels.

“Eu acho que meu ex-marido se aproximou de mim porque ele me viu numa situação frágil em que ele poderia ser o homem que cuida, que protege, que ajuda etc. Ele me conheceu quando eu tinha acabado de chegar na Alemanha, eu não falava a língua, eu não conhecia a cidade. Ele apareceu muito nessa postura de me levar pra passear, pra fazer as coisas.
(…)
Depois de algum tempo que a gente estava junto, ele falou pra eu ir morar na casa dele, (…) pra eu não precisar pagar aluguel, porque a minha limitação na Alemanha ia ser a coisa do dinheiro. Eu já tinha dito para ele que, na hora que acabasse meu dinheiro, eu iria embora. Ele me convenceu falando que a gente passava pelo menos quatro dias da semana na mesma casa, ou eu na casa dele ou ele na minha, e que no fim eu estava pagando aluguel por conta de dois ou três dias por semana. E eu achei a conta razoável.
(…)
Ele tinha uma postura muito de querer sempre amparar essa pobre brasileira perdida, (…). Mas aí eu comecei a crescer um pouco. Eu me candidatei pra um mestrado e eu fui aceita. Durante o meu mestrado, ao mesmo tempo que ele queria fazer parte de várias coisas e queria estar comigo, eu via que ele se sentia um pouco como se ele estivesse sendo excluído.
(…)
Toda semana a gente ia ao cinema por causa de uma matéria do mestrado, ele ia comigo e assistia às palestras, mas tinha várias coisas que eu estudava que ele não era capaz de entender, até por uma questão de afinidade com a área — eu estudava literatura, ele era engenheiro. Eu queria discutir minhas ideias com ele, porque estava numa fase efervescente, e ele não acompanhava todos os raciocínios. O que é natural, se ele estivesse explicando coisa de engenharia também pode ser que eu não entendesse tudo. Mas, ele ficava bravo e incomodado.
(…)
Ao mesmo tempo em que ele valorizava a minha percepção e as minhas coisas, em muitas situações, ele se sentia ameaçado e ele tem o ego frágil. É o tipo de pessoa que preciso evitar, porque se sente agredido pelas coisas que eu conquisto. Então quando eu fui crescendo mais, terminei meu mestrado, já falava bem o alemão e conhecia a fundo a cidade, ele começou a me desmerecer. No dia que eu ia receber meu certificado do mestrado, a gente tinha combinado de ir junto, mas ele ‘esqueceu’. E eu fui sozinha. Em outra data importante, ele ‘esqueceu’ e nem atendeu o telefone.

(…)

Nossa relação foi ficando muito tóxica com o passar dos anos e se transformou numa relação abusiva. Demorei um tempo pra perceber e hoje vejo que eu passei muitos anos tentando entender isso. Ele realmente não deu conta do fato de que eu passei a ter um nível acadêmico que ele não tinha alcançado, porque ele tinha feito até a universidade.

  • Os estudos e a experiência na Alemanha permitiram à Laura se tornar professora de alemão. Com esse diferencial, ela conseguiu trabalho no Uruguai e no Chile, em escolas internacionais na língua alemã, realizando seu desejo de viver em diferentes países. Somente quando já atuava nessa área, descobriu sua superdotação (aos 36 anos) e passou a ter um entendimento melhor do que representava isso para seus relacionamentos amorosos e para sua vida em geral.
Imagem de Vlada Karpovich, na Pexels.
Imagem de Vlada Karpovich, na Pexels.

“Depois disso eu tive outros namorados, mas fiquei solteira na maior parte do tempo. É difícil pra mim ter algum relacionamento, porque, num primeiro momento, as pessoas têm uma certa curiosidade e acham interessante eu falar várias línguas, eu ter vivido em tantos lugares [Brasil, Argentina, Alemanha, Uruguai e agora Chile], mas num segundo momento elas se afastam. Sinto isso principalmente da parte dos homens que têm essa característica de querer cuidar, de querer acolher, de querer ser “o homem”. Comigo não dá, não funciona.
(…)
Generalizando, os homens esperam, muitas vezes, que a mulher precise deles de alguma forma e que eles possam estar nesse lugar “acima”. E isso não vai acontecer comigo. Eu sou uma pessoa totalmente independente, resolvida. Então, se eu tiver que procurar um emprego amanhã, eu, que já trabalhei em mais de 20 escolas, não preciso que um namorado que trabalhou em duas empresas na vida me conte como escrever um currículo.
(…)
Eu tenho muita bagagem de vida, não é só pelas altas habilidades, mas também pelas minhas características e pela minha história: pelo fato das minhas mudanças, por ter feito um mestrado em outro país, por ter me independizado muito cedo e pelo fato de eu ter sido mais mãe da minha mãe do que filha dela.
(…)
Eu não quero ocupar certos lugares que os outros oferecem para mim. Eu tenho muitas coisas pra fazer, eu estudo muito, eu toco violão, eu quero ter mais tempo pra música, eu quero ter mais tempo pras minhas viagens… Eu gosto de viajar sozinha, pego minha mochila e vou. Eu faço caminhadas nas montanhas que duram cinco dias, 20 kg de mochila nas costas.”

  • Desde 2023, Laura tem aproveitado a mais plena liberdade. Ela adotou a linguagem da vida nômade: com sua barraca e seu violão, tem explorado os mais diversos parques naturais do Chile. É possível acompanhar suas vivências por meio do Instagram @parqueando_
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