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Desafios masculinos na superdotação

  • Se, por um lado, existe uma dificuldade maior da sociedade em reconhecer meninas e mulheres superdotadas, por outro, existem desafios para meninos e homens na superdotação relacionados a aspectos psicossociais. Ambos estão ligados a preconceitos machistas, que consideram o sexo masculino mais inteligente, racional, e o sexo feminino mais emocional. E também estão conectados ao desconhecimento de características presentes nas altas habilidades, como a empatia exacerbada, a hipersensibilidade e o senso apurado de justiça. 

  • O pediatra suíço Daniel, que até quase 50 anos não sabia da superdotação, viveu essas questões. Na infância e adolescência foi “trabalhado” pelo pai para ser mais “másculo” e “advertido” pela mãe de que era uma pessoa muito intensa e demandante. 

Imagem de Craig McLachlan, na Unsplash.
Imagem de Craig McLachlan, na Unsplash.

“Meu pai era muito rigoroso com os filhos. Ele me ensinou a lutar, porque achava que eu tinha que ser mais agressivo, mais ‘másculo’. Essa questão da hipersensibilidade é complicada de viver na pele masculina. Você se sente fraco às vezes, em relação aos outros meninos.

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Provavelmente a fase mais difícil pra mim foi na adolescência. Eu estava lendo filosofia, interessado na vida após a morte, e ao mesmo tempo fazendo esportes e tudo o mais, mas eu não estava no mesmo nível dos meus amigos. Eu era diferente, vivia num mundo diferente, numa realidade diferente. E, às vezes, isso era difícil, porque nessa fase você quer ter amigos, fazer parte de um grupo. E com as garotas era terrível, por causa do meu emocional, eu era tão único e tão intenso em tudo.

[…]

Eu tenho dificuldade de ver injustiça e violência, seja com pessoas ou animais… Para mim, isso é algo impossível de entender. Às vezes, eu reajo de forma exagerada a esse tipo de coisa, principalmente para os padrões da Suíça, onde todo mundo é supercomedido.”

  • As décadas se passaram, e a mentalidade permanece. Atualmente, Daniel acompanha o filho passando pelo mesmo processo que ele mesmo atravessou na sua juventude. A vantagem é que Daniel pode oferecer ao filho mais acolhimento do que seu pai foi capaz de oferecer, até por conhecer sobre a superdotação e estar certo de que o rapaz também tem altas habilidades — assim como sua filha. Para o suíço, o maior descompasso é provocado pela hipersensibilidade emocional e a intensidade vivenciada pelas pessoas superdotadas. 

Imagem de Chris Yang, na Unsplash.
Imagem de Chris Yang, na Unsplash.

“Quando você não é como os outros, é difícil eles entenderem você e é difícil de você se entender. Hoje vejo que pro meu filho, com quase 12 anos, tem sido difícil na escola. Ele é muito ativo, bem físico, mas muito sensível e não gosta de futebol, ele não quer brigar. Para os outros meninos é como se ele não fosse menino. E assim é difícil ter autoconfiança e não se sentir fraco.
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Eu também gosto muito de atividade física e esporte, sou competitivo. Eu diria que esta é minha parte masculina. Mas tenho poucos amigos homens. Acho que a conversa com eles é superficial. Eu tenho boas conversas e boas amizades com mulheres. Com elas tenho mais facilidade de mostrar minhas emoções. Com os homens têm sempre uma questão de competitividade, de quem é mais forte.”

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A intensidade é outra questão. Eu faço as coisas de forma rápida. Quando eu começo alguma coisa, não consigo parar.  Além disso, eu sou muito organizado. Eu pratico esportes. Pinto. Faço provavelmente quatro ou cinco coisas ao mesmo tempo. Cuido da minha família. Sou médico. Eu faço tudo muito bem. Mas eu quase nunca falo pros outros todas as coisas que faço, porque pra maioria das pessoas não é possível fazer isso tudo e fazer isso tudo direito, entende? Então eu preciso esconder uma parte disso. E provavelmente por isso quase toda minha vida eu precisei esconder o que eu sou. Se não for assim, você é abandonado pelas pessoas. Porque ‘você tem muito problema’, ‘você pensa demais’, ‘seus sentimentos são muito fortes’… Você é sempre demais da conta. Quando eu era criança, minha mãe sempre dizia: ‘você é sempre em excesso’. No meu interior tudo é demais, a vida era toda em excesso, a alegria também era demais.

[…]

Eu sempre fui cheio de energia pra tudo e, às vezes, para os outros ao meu redor era difícil de entender. Devia ser difícil para qualquer um conviver comigo.

[…]

Quando eu era criança, minha mãe sempre dizia que eu tinha um medo muito grande de ser abandonado. Provavelmente era o maior medo da minha vida. Eu entendi, depois da identificação, que isso provavelmente tem relação com a minha condição. Porque eu tinha a sensação, desde criança, de que é perigoso ser quem você é. Então, sempre tentei descobrir como me apresentar ao mundo e me adaptar. Lia muitos livros e observava para entender como as pessoas pensam e tentar ser como elas.”

 

  • Para Daniel, descobrir sua superdotação mudou questionamentos e sentimentos profundos como esses. Ainda lhe deu a tranquilidade de entender quem ele é e saber que há outras pessoas mais como ele. “Tem muitas pessoas, não exatamente como eu, mas que fazem e pensam quase como eu, e é bom saber que elas existem.”


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