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"A sensação de descompasso é o que mais aparece"

  • Quando, como e por que as pessoas que se sentem hipersensíveis procuram ajuda terapêutica? Encontro com Yann Girardin, psicólogo suíço. Ele trabalha para a empresa Hi-Mind, especializando-se principalmente em hipersensibilidade.

*A hipersensibilidade é um traço de personalidade bastante encontrado entre os superdotados e também muito confundido com sintomas de transtornos. Cabinet Hi-Mind é o centro especializado em identificação e acompanhamento de superdotados criado por Sophie Prignon, co-autora (com Thais Mesquita) do livro “Deu Zebra! Descobrindo a superdotação”. Esta entrevista foi realizada por Laurent Donzel e publicada originalmente na revista suíça Diagonales (edição 154, junho-julho/2024).

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Foto de Nick Andreka, na Unsplash.

Diagonais: Como você define essa noção de hipersensibilidade?
Yann Girardin: Esta é uma questão muito complicada e central. A hipersensibilidade é uma nova categoria emergente. Para mim, está composta pelos sintomas de transtornos que já existem. A hipersensibilidade é mais do que uma categoria em si. Quando alguém vem até mim e fala sobre hipersensibilidade, sempre me baseio na definição que essa pessoa tem a respeito do tema, do que isso significa para ela. Para lhe dar uma resposta um tanto simples, seria algo como uma espécie de hiperatividade. Pode então ser a reatividade que é mais perturbadora. Uma reatividade que pode levar à instabilidade emocional, chegando rapidamente a extremos. Em nível sensorial, podemos ficar muito perturbados por coisas como ruído, luz, materiais ou stress.

 

Esses dois aspectos, sensorial e emocional, estão ligados?
Yann Girardin:
Não necessariamente. Por ser algo que não está muito bem definido, tem muita gente que se identifica com isso. Existem personalidades bastante diferentes. O que significa que, às vezes, ambos os aspectos estão presentes: às vezes é sensorial, outras vezes, emocional. Geralmente, quando para alguém é apenas sensorial, tenho a impressão de que não é na consulta psicológica que a gente vê. Quando uma pessoa chega até nós, existe sobretudo essa dimensão emocional.

 

Por que pessoas que se consideram hipersensíveis vêm te consultar?
Yann Girardin: Geralmente, vem por sofrimento. Depois, um desejo de mudar ou melhorar a situação. O que ouvimos frequentemente é a expressão de um sentimento de diferença e discrepância. Procuro então entender porque a pessoa não se sente feliz, ou não se sente integrada nos grupos, depois procuro soluções. Às vezes a pessoa já se deparou com o termo hipersensibilidade na internet. O que vai aliviá-la muito é que, finalmente, validemos suas diferenças e seu sofrimento potencial. Depois, ela poderá iniciar o acompanhamento psicológico e psicoterapêutico.

 

É necessário fazer acompanhamento quando você tem essa característica?

Yann Girardin: Esta categoria é algo bastante novo. Aqui temos um modelo proposto. Para mim também há um efeito de moda. Em psicologia, geralmente falamos de um transtorno. O mais importante em todos os transtornos é a lista de sintomas. Mas, mesmo que a pessoa marque todos os sintomas, no final ela pode não estar sofrendo. Em psicologia diremos que a pessoa “funciona”. A noção de sofrimento é importante. Se uma pessoa é hipersensível, mas não sofre, não falaremos de transtorno.

 

Que tipos de sofrimento unem essas pessoas?
Yann Girardin:
Na minha experiência clínica o que mais aparece é essa sensação de descompasso. Muitas vezes as pessoas me dizem: “Não me sinto como os outros, nunca consegui me encaixar. Nunca consegui criar uma conexão.” Geralmente, essa diferença é dolorosa. Em seguida, abordamos diferentes tipos de hipersensibilidade. Podemos ser hipersensíveis em relação a muitas coisas: ansiedade, traumas, sentimentos paranóicos, transtornos mentais, personalidade, sintomas limítrofes, esquizofrenia. Quando você me pergunta o que os une, quero dizer que, no final das contas, é o sofrimento que eles querem aliviar. Há uma forte necessidade de ser validado. “Diga-me que sou diferente, e só então posso aceitar que sou diferente.” Também existe essa ideia.

 

Então essa noção de validação é fundamental para se sentir melhor?
Yann Girardin:
É uma faca de dois gumes. Começamos por validar, por compreender o sofrimento, antes de apresentar uma solução. A validação realmente tem essa vantagem. Mas, tal como acontece com a faca de dois gumes de um diagnóstico, existe um lado restritivo e aprisionador. Existe o risco de dizer para si mesmo: “Eu sou assim, não posso mudar”. Esta é a pior coisa. O reconhecimento ou o diagnóstico não devem contribuir para isso. Na abordagem de Elaine Aron [psicóloga e pesquisadora especializada na matéria], a hipersensibilidade é apresentada como algo bastante inato, no nível do temperamento. Para mim, esta é a maior falha da sua abordagem: apresentá-la como estática. Enquanto, na verdade, na psicologia e na medicina privilegiamos uma abordagem biopsicossocial, levando em conta a forma como a pessoa vê o seu ambiente, evolui nele, bem como as relações sociais com outras pessoas. O inato é o que menos podemos mudar, mas, no domínio psicossocial, podemos exercer influência. Então, é muito importante não cair na armadilha de conceituar algo rígido, fixo, porque isso é redutor.

 

Então a descoberta da hipersensibilidade pode ser uma faca de dois gumes?
Yann Girardin:
Sim, na evolução positiva está o fato de a pessoa respeitar mais suas necessidades e valores. É muito bom! Para pessoas que tendem a se adaptar demais aos outros, isso é ótimo. Poderíamos resumir assim: “Quero ser chamado de diferente para poder aceitar que os outros pensem de forma diferente”. Aceitar que os outros não pensam como você é extremamente importante nas abordagens terapêuticas. Trata-se novamente de conseguir distanciar-nos, entendendo que não se trata de uma realidade objetiva, mas da realidade de cada um.

 

Sentir-se diferente pode, portanto, paradoxalmente, levar a uma maior abertura à diferença dos outros…
Yann Girardin:
Completamente! Eu sou diferente, é bom ou ruim, pode ir em todos os sentidos , dependendo de como você vivencia isso. Com a faca de dois gumes, o risco negativo é o de passar para o egocentrismo. Com tendência a dizer para si mesmo: “Eu sou assim, os outros não. Não somos do mesmo mundo!” E assim não dou mais passos em direção aos outros e me respeito “demais”, por assim dizer…

 

Muitas vezes, algumas pessoas qualificadas como hipersensíveis dizem que essa característica as fortaleceu, isso te surpreende?
Yann Girardin:
A noção de força é bastante complexa. Na psicologia, o trabalho é feito individualmente. A pessoa é considerada com todos os seus fatores. Com o termo hipersensibilidade, existe o risco de fazer generalizações. A hipersensibilidade é uma força? Essa é uma questão delicada. As pessoas que me procuram inicialmente não se sentem bem, isso distorce um pouco a visão de hipersensibilidade. Depois, usamos essa condição como uma força? Talvez. Na teorização de Elaine Aron há uma hipersensibilidade à estética. Antes do termo hipersensibilidade, existia o de intensidade emocional. Por exemplo, a pessoa com essa disposição capta com muita força o sentimento que afeta alguém. Se este estiver triste, o indivíduo em questão também será fortemente afetado por esse sentimento de tristeza. Ele mesmo ficará muito triste. Isso despertará nele sentimentos sobre sua própria experiência. Existe uma espécie de hiperempatia. Um segundo aspecto a notar é o risco de generalização. Ao se deparar com um acontecimento, por exemplo, há uma tendência a pensar que será sempre assim. Essas conclusões não deixam espaço para mudanças. Isso pode ser grave. Se for uma emoção negativa, será muito impactante pensar que esta crença é uma constância. E, inevitavelmente, a reação emocional pode ser muito forte.

 

Quando falamos em hipersensibilidade, é uma categoria que envolveria entre 20% e 30% da população. Isso parece significativo, não?
Yann Girardin:
Sim, é enorme. Para mim, essa percentagem reflete antes uma espécie de categoria comum, e não um subgrupo. Isso abrange muitos aspectos, razão pela qual acabamos com uma percentagem tão elevada. Para mim, há uma dimensão ligeiramente perturbadora na noção de hipersensibilidade. A frase típica “me sinto diferente” tem efeito Barnum*. Todo mundo se sente diferente, então somos todos iguais.

 

  • [nota sobre “efeito Barnum”: Este viés psicológico, conhecido também como efeito Forer, é um padrão de pensamento que faz com que as pessoas considerem precisas e verdadeiras descrições gerais e vagas sobre a sua personalidade.]

 

 

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