Superdotação e inclusão: por que isso deveria te preocupar?
*Relato de Déborah Lazzarini, psicóloga, publicado originalmente em 10 de agosto de 2020 no LinkedIn dela
Instagram: @deborahlazzarini
Há exatamente um ano, eu saia do armário da neurodiversidade. Eu estava experimentando uma série de dificuldades de atenção, memória e organização… e, após um longo processo de avaliação, descobri que tinha essa condição de Altas Habilidades e Superdotação.
É isso mesmo que você leu. Na época, também não entendi como as dificuldades pelas quais eu estava passando me levaram a um diagnóstico que, em tese, é muito positivo… e por isso preciso falar sobre inclusão e superdotação. Sua empresa precisa saber disso:
- Encarar a Superdotação simplesmente como um privilégio aleatório da natureza é um erro! Nós precisamos de inclusão também. Existem dificuldades e sofrimentos muito específicos.
- Ter AH/SD (Altas Habilidades/Superdotação são dois nomes pra mesma coisa) não é sinônimo de ter um QI excepcional – que, inclusive, é uma medida limitada. São conjuntos diferentes com intersecções. (A Mensa, associação da qual também faço parte e que talvez seja a mais conhecida mundo afora com temas afins a este, foca no QI, então é legal não confundir…) Superdotação é mais do que um “superinteligência”. Não é ser melhor ou superior. Não é ser genial o tempo todo (o que é ser um gênio, né?). Não é não errar.

Mas a Superdotação é, sim, capturar e assimilar os estímulos e dados do ambiente de maneira hipersensível… como um super radar. E é também processar esses dados de uma forma inter-relacionada. É um processador complexo.
E aí está o pulo do gato.
Há um custo cognitivo, emocional e social… e não é pequeno. Pedindo licença para compartilhar um pouco da minha história aqui, eu passei 33 anos da minha vida me sentindo um peixe fora d’água e me achando estranha à toa!
Quando eu era criança, achava que era “louca” mesmo, e que a qualquer momento as pessoas descobririam. Quanto sofrimento desnecessário! As coisas que eu achava bizarras eram apenas características comuns em AH/SD:
- Hipersensibilidade sensorial;
- Devaneio excessivo;
- Tiques motores;
- Hiperfocos;
- Ressaca social;
- Emoções intensas; e muitas outras coisas.
Embora sejam vivências comuns na AH/SD, não existe um padrão único. Há tantas possibilidades de indivíduos superdotados quanto a humanidade pode permitir, tanto em suas fragilidades quanto em suas potências.
Há quem seja excepcional em uma área muito específica. Há pessoas que são academicamente fora da curva. Há outras que produzem muito em diversas frentes de trabalho. Há quem tenha habilidades artísticas fora de série.
Há quem produza e assimile conhecimento formal, transforme em práticas de trabalho, com criatividade e arte.
São experiências humanas.
E falando nisso, podemos ter dificuldades de aprendizagem também!
Talvez você já tenha sacado que, por esse funcionamento diferente, a pessoa superdotada:
- é mais acometida de transtornos mentais;
- pela quantidade de dados praticamente sem descanso passando por sua mente, é mais suscetível ao burnout;
- não raro apresenta problemas de atenção e organização, por ser invadida por por pensamentos complexos; etc.
Ou seja, existem necessidades específicas e, pra gente poder ser feliz e contribuir com nosso melhor (e, acredite, o nosso melhor é fora da curva): PRECISAMOS DE INCLUSÃO.
Precisamos lembrar, pessoal: a criança com altas habilidades vai crescer um dia e vai se tornar adolescente, jovem, vai chegar à fase adulta, vai integrar a economia prateada. E ela não vai deixar, nunca, de ter altas habilidades.
Estudantes de hoje, amanhã, vão entrar no mercado de trabalho, ser líderes, se aposentar. Ou seja, a sociedade não precisa só de escolas inclusivas – o que já é difícil o suficiente – precisamos de universidades inclusivas, de trabalhos inclusivos, de psicoterapias inclusivas.
De espaços para florescer.
E aqui eu quero falar especificamente aos líderes, executivos, donos de empresas ou áreas de pessoas. Chega mais perto que eu quero te perguntar:
Você quer lucrar? Inovar? Produzir? Aumentar valor de mercado? Nosso capital intelectual te interessa?
Não adianta botar a gente pra dentro. Vocês precisam nos incluir. Não basta convidar pro baile, tem que chamar pra dançar.
A minha vida melhorou 200% quando compartilhei com meu líder na época sobre meu laudo (que é praticamente um raio-x da tua alma, tá?! Rs).
Pequenas e sutis alterações aconteceram – focadas nos meus pontos a serem otimizados e nas minhas maiores vulnerabilidades.
Apenas alguns exemplos: mudar meu lugar na bancada para uma posição em que não tivesse tanto estímulo sensorial, ter horários específicos pra eu focar nos assuntos em que eu melhor produzia. Pensamos juntos em estratégias pra mitigar a probabilidade de uma crise.
E agora, falando a nível individual com quem estiver aqui me lendo. Pode ser, inclusive, a mesma pessoa para a qual eu me dirigi no trecho anterior. Você não precisa se sentir “genial” para ir atrás de uma avaliação.
Quanto mais vamos entendendo as coisas, mais sabemos que NÃO entendemos tudo. O padrão de pensamento de AH/SD é complexo e isso tende a diminuir nossa confiança, não o contrário.
Então, se você enfrenta alguma dificuldade que eu citei ali, busque uma avaliação com um profissional da neuropsicologia. Ou seja, com alguém formado em Psicologia, com CRP ativo, que conduza um avaliação neuropsicológica contigo, que se dará em várias sessões, por meio de entrevistas e de uma bateria de testes psicológicos (testes de verdade, validados, você pode confirmar a lista na internet e ver se o profissional está sendo competente e ético). E sim, dentre esses testes estará o famoso (e cansativo) teste de QI, se essa for sua curiosidade. Mas eu não me prenderia muito a este número, tá?! Já tive relatos de pessoas super frustradas por não alcançarem o número que pretendiam. Converse com quem fizer sua avaliação sobre as limitações do teste. Ele é só uma pecinha do quebra-cabeça da inteligência.
Bom, pra quem já desconfia ou sabe que tem essa condição, deixo aqui um conselho. Não de Psicóloga, mas de quem tá inserida nesse mundo de cores fortes da AH/SD. Escolha suas batalhas.
Não se diminua para entrar numa caixa que não te cabe. Mas também não se sangre num tanque de tubarões.
Apenas siga com respeito a si e aos outros e faça seu melhor, se permitindo ser quem é. Se permitindo também errar.